ROBERTO GURGEL PEDE FIM DO VOTO SECRETO


Correio Brasiliense

Responsável pela sustentação das denúncias que levaram à condenação de réus do mensalão. Roberto Gurgel afirma que acabar como sigilo das votações no Congresso permitiria ao eleitor acompanhar de peno o posicionamento dos parlamentares. "Quanto mais transparente for qualquer processo, melhor", argumenta. Dois deputados punidos pelo STF João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT) escaparam da cassação em sessão secreta na Câmara.

Procurador-geral da República argumenta que acabar com o sigilo nas votações do Congresso permitiria aos eleitores acompanhar melhor o posicionamento de senadores e deputados
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, criticou ontem o voto secreto nas decisões do Congresso Nacional. Amparados pela Constituição, deputados federais e senadores se valem do sigilo em votações importantes, como as que ocorrem nos processos de cassação. Para Gurgel, a abertura do voto permitiria que o eleitor acompanhasse de perto o posicionamento dos parlamentares eleitos.
"O voto secreto é uma tradição antiga nossa, mas, pessoalmente, acho que, quanto mais transparente for qualquer processo, melhor", disse o procurador-geral da República ao Correio. Responsável pela sustentação das denúncias contra os réus do mensalão, Gurgel foi incisivo ao pedir as condenações, "a fim de que os atos de corrupção, mazela desgraçada e insistentemente epidêmica no Brasil, sejam tratados com o rigor necessário". Ele chegou a pedir que as prisões fossem decretadas antes da apreciação dos recursos, o que não foi acatado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Na Ação Penal 470, a Corte determinou a perda dos direitos políticos dos quatro deputados federais condenados: Valdemar Costa Neto (PR-SP), José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT). Os dois últimos haviam escapado da cassação em votação secreta no plenário da Câmara. No caso de João Paulo Cunha, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar recomendou a cassação. No colegiado, o voto é aberto. Levado a plenário, onde as decisões em casos de perda de mandato são sigilosas, o petista recebeu 209 votos pela condenação, mas foi absolvido por 256 parlamentares. No STF, entretanto, amargou a pena de nove anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.
Com placar de nove votos a cinco, Pedro Henry havia recebido parecer pela absolvição no Conselho de Ética da Câmara. No plenário, o resultado se repetiu: 255 deputados o mantiveram no mandato, contra 176 colegas favoráveis à cassação. Pedro Henry foi condenado pelo STF a sete anos e dois meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Para fugir da cassação, Valdemar Costa Neto renunciou ao mandato, em 2005, mas conseguiu voltar à Câmara nas eleições do ano seguinte. Entretanto, não escapou da condenação na Suprema Corte a sete anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Dos 15 deputados julgados no plenário da Câmara por suposto envolvimento no esquema do mensalão, 12 foram absolvidos e três, cassados — José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). O placar mais alto foi o de Jefferson, delator do esquema. Ele recebeu 313 votos pela perda de mandato, 56 a mais do que o mínimo necessário.
Levantamento do Correio publicado ontem mostrou que, nos últimos 25 anos, desde o início da vigência da Constituição de 1988, o voto secreto ajudou a proteger 60% dos deputados que tiveram pedidos de cassação julgados no plenário da Câmara — 26 escaparam e 17 foram punidos.
Pesquisa
Saiba como pensam os senadores sobre o voto secreto
32 defendem o voto aberto
28 defendem o fim do voto secreto apenas em algumas situações
7 querem a manutenção do voto secreto no modelo atual
1 defende o voto secreto em todas as votações do Congresso Nacional
13 não se posicionaram
Representação contra Garotinho
A bancada do PSD na Câmara apresentou ontem representação contra o deputado Anthony Garotinho (RJ), líder do PR na Casa, em razão das acusações feitas durante a votação da MP dos Portos, na semana passada, de que houve lobby de empresários do setor portuário. Os parlamentares do PSD pedem a instauração de procedimento ético-disciplinar que pode resultar, em última instância, na perda de mandato de Garotinho. DEM, PPS, PSDB e PMDB já haviam entraram com um pedido de sindicância, só que para averiguar a possível quebra de decoro parlamentar. (Leandro Kleber)
Entrevista Paulo Paim
"Inimiga da corrupção"
"O voto secreto interessa à negociata. O voto secreto interessa àquele que diz uma coisa e faz outra"
O senador Paulo Paim (PT-RS), que ontem visitou o Correio,  apresentou, em abril, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tenta acabar com o voto secreto no Congresso. A matéria está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovada, os processos de cassação, a apreciação de vetos e a aprovação de autoridades indicadas pelo presidente da República deixarão de ser sigilosos. Outras duas PECs que tratam do assunto tramitam na Câmara. Confira os principais trechos da entrevista.
O senhor apresentou, em 2006, uma PEC para acabar com o voto secreto, mas ela foi arquivada. Por que decidiu apresentar nova proposta sobre o mesmo assunto?
Numa época em que o Judiciário não tem voto secreto e em que o próprio Executivo, quando veta uma matéria, tem que se explicar, por que só o Legislativo fica em uma situação meio que escondido atrás da moita na hora de votar essa ou aquela proposta? Por isso que eu apresentei a PEC, porque quero a transparência absoluta do ato e do voto de cada parlamentar.
Na sua opinião, a quem interessa o voto secreto?
O voto secreto interessa à negociata. O voto secreto interessa àquele que diz uma coisa e faz outra. A transparência é inimiga da corrupção, e o fim do voto secreto vai nesse sentido.
Ser do partido da base do governo ajuda nessa negociação?
Essa questão não é de governo ou de oposição. Tenho quase certeza de que a maioria dos senadores e também dos deputados concordarão que não há mais motivos de ter voto secreto.
Há, no Palácio do Planalto, interesse de que o fim do voto secreto seja aprovado?
O Executivo tem todo o direito de saber como vota cada parlamentar nos temas que interessam ao Executivo. A própria presidente da República tem todo interesse em saber como vota cada parlamentar.
Quem defende a manutenção do voto secreto em relação ao veto parlamentar argumenta que essa é uma forma de defesa em relação a possíveis pressões do Executivo...
É exatamente o contrário. A pressão do Executivo se dá em cima do voto secreto. Ele alega: ninguém vai saber como você votou, então faz o que eu estou mandando. O voto secreto faz com que o indivíduo que não é transparente acenda uma vela para Deus e outra para o diabo. E é capaz de trair os dois, se abstendo, por exemplo.